Dias escuros
Sentada, numa cadeira de balanço, descansava serenamente uma idosa. No suave vai e volta de sua cadeira, a mulher de cabelos de algodão transmitia serenidade tão grande que todos que a olhavam sentiam, quase de imediato, grandiosa paz.
Contudo, a idosa bem sabia que nem tudo era paz, seus anos de vida haviam presenteado-a com tão grande experiência que àquela altura acreditar que a vida era perfeita soava como piada. Ali, na calmaria de sua varanda, naquele belíssimo fim de tarde – lindíssimo presente de seu tão amado Deus – ocupava-se em olhar para seu passado, visualizava quase que perfeitamente, todas as dores, as duvidas, as tormentas que a muito enfrentara. E foi sem dar por si que se viu em sua tão amada juventude.
Era bela, devota – como todas as jovens de seu tempo - e acima de tudo, feliz. Afinal, por que cargas d’água se ocuparia com tristezas se tinha em mãos a maior alegria que poderia ter. Sua vida! Mas mesmo sendo uma jovem prendada, com grandes amigos e alvo de cortejos, havia em sua vida, como há na vida de qualquer jovem, dias nublados, onde, descuidadamente, perguntava se Deus ainda se lembrava dela. Contudo não era capaz de abandonar os sorrisos, mesmo que em menor quantidade fazia questão de doá-los a quem precisasse.
Certo dia porem, e este talvez tenha sido o mais triste dia de sua vida, foi atingida por forte dor, era uma tristeza tão grande que nada parecia fazer sentido. Onde estava Deus naquela hora? Por que não a consolava? Por que ela, mesmo sendo temente a Deus, ainda chorava, ainda se entristecia? Sua tristeza era tão grande que até a vida, o maior presente que o Criador a havia dado, parecia menos belo. Foram longos dias de lágrimas e soluços, por uma dor que nem mesmo ela sabia de onde havia surgido. Só sabia que existia. Todos os consolos, os amigos e as orações pareciam invalidas! Havia Deus se esquecido dela? Ou era ela, que havia esquecido seu amado Pai? Foram tantas as lágrimas que marcaram seu rosto, que até mesmo a grande beleza de sua face miúda foi lavada.
Depois de um tempo a moça já não saia mais a rua, não se enfeitava mais e nem via beleza no nascer do sol, e o mais terrível de tudo, não ousava pronunciar o nome de seu Salvador. Sua vida havia se tornado uma grande e poeirenta estrada que era obrigada a percorrer. Não se reconhecia mais. Onde estavam seus olhos que refletiam o cintilante azul do céu? Ou seus finos lábios que emolduravam um docílimo e vivo sorriso? Que dor era aquela, tão sem fundamento, que chegou num fim de tarde e instalou-se em seu peito? A bela que antes levava sorrisos sentia, naquele momento, vontade imensa de receber um sorriso.
Contudo, para todas as dores existe uma cura, e a sua chegou num fim de tarde de domingo, após a missa que nem ao menos escutara e a dor de ignorar mais uma comunhão, mesmo escutando as suplicas de Jesus a pedir que ela realizasse tão belo ato. Naquela época tão tranqüila, era comum que os devotos se reunissem após a missa na praça em frente à igreja para conversar, e enquanto esperava seus pais sentou-se isolada de seus velhos amigos.
Irritou-se seriamente quando sua dor foi interrompida por uma moça bastante atrevida, o longo vestido chegava ao chão, os cabelos, precariamente penteados a davam um ar de menina arteira e as enumeras sardas indicavam seus poucas anos. A jeca, apelido que a dera em segredo, a cumprimentou com forte sotaque e pôs-se a indagar sobre a vida da jovem tristonha, até que necessitada de falar, a linda menina contou a espevitada caipira que seu coração gritava de dor, que se sentia abandonada por Deus.
Foi pega de surpresa quando no sardento e alegre rosto surgiu uma feroz expressão, quase que aos berros a “jeca” perguntava se e linda moça era louca, como poderia se atrever a dizer que Deus havia se esquecido de uma de suas filhas? Não era ela capaz de ver que ninguém estava a salvo de ter dias tristes, de sentir dores que pareciam intermináveis ou loucas vontades de chorar. Entretanto era necessário perceber que por mais sofrida e terrível que pudesse ser a vida ela ainda era o maior, mais belo e melhor presente que Deus havia dado a seus filhos e era dever de todos aqueles que diziam O amar e adorar reconhecer isso. Não era e jamais seria dever do cristão sorrir em todos os momentos de sua vida, mas era seu dever reconhecer que não era essa a vontade de Jesus, que se entregou a dor para salvar seus amados e imperfeitos humanos. Era dever dela reconhecer que mesmo que a dor fosse grande e as turbulências parecessem infindáveis Deus estaria sempre ali, ao lado dela, pronto para ampará-la e curar todas as suas dores.
A idosa voltou à realidade com o barulho do portão, sua neta havia chegado. Aos prantos falava mal de todos e não se privou de proferir a terrível frase “Deus deve ter algo contra mim!” A avó a olhou com ternura, não havia porque acusar os erros que ela mesma havia cometido. Levantou-se com um sorriso meigo e gentil, caminhou até sua querida neta, abraçou-a forte e sussurrou com ternura em seu ouvido: “Chora criança, chora, que logo, logo o Espírito Santo vem te amparar.”